mardi 23 février 2016

Sonâmbulando

Sapatos vermelhos
um dentro do outro
com os bicos trepados
[de um jeito curioso]
sonâmbula coloquei?

A voz do sonho
A memória da voz
Despertam neurônios
em sinapse atroz

A porta tranquei?
A chave arranquei?
Na gaveta amarela
[como um segredo]
sonâmbula a deixei?

A voz do sonho
A memória da voz
Despertam neurônios
em sinapse atroz

A vizinha me disse:
Andei até a esquina
[fantasiada de Cecília]
para recitar poesia
na madrugada vazia?

A voz do sonho
A memória da voz
Despertam neurônios
em sinapse atroz

O prefeito me disse:
Gritei que era Pollock
Gotejei muitas tintas
[Feito chuva acrílica ]
numa antiga basílica?

A voz do sonho
A memória da voz
Despertam neurônios
em sinapse atroz


Em pé de frente
pra porta do entre,
de pijamas
[e lençóis da cama]
acordei.

[Acordei?]

No jornal de quinta,
no segundo caderno,
uma estranha notícia:
"A Sonâmbula Criativa"



Sete posições para secar memórias



(Aprendi com as pétalas)

Céusarda

Juntei pontos finais
 num saco cheio
da palavra cola

Lancei pro alto da manhã
os pontos pretos redondos

Na cara clara do céu
grudaram feito sarda
as estrelas inventadas


jeudi 18 février 2016

Siga o Coelho Branco em cena

            Dentro do recorte do retrato  do olhar de uma janela de madeira velha, vejo K. vendo [ deitada sozinha na cama de casal da avó Maria] um Coelho Branco gargalhando e um puta dia brando.O Coelho parecia tão humano, riu tanto, tanto que caiu fora da cena, tombando também a câmera. Por isso, nesta parte da história só consigo contar do escuro que havia embaixo da cama. Há barulhos de passos rápidos, devem ser de K., parecem algo procurar. Agora vejo novamente, o Coelho se levantando calmamente, sob duas patas apenas, encontra o olhar de K., parecem o mesmo. O Coelho Branco fala baixo e tão devagar, parece uma alma sábia a habitar aquele corpo, os olhos brilham como se fosse o avô H. Será? O Coelho Branco falante e conselheiro. Os olhos cor de folha seca também falavam manso, na linguagem dos brilhos. Os dois, Coelho e K, conversaram muito, até a câmera dormiu.     Acordei no ângulo em que as palavras pareciam vermelhas "Você sabe, K., eu estou com um machucado na cabeça!", disse o Coelho Branco e , ainda calmo, mostrou a ferida. A pele da cabeça do bicho humano mexia como se fosse roupa.  K. empalideceu em desespero. Na cena de sua mente, como um grande foco de luz que se abre na parede inexistente, ao seu lado estaria a ambulância,  o Coelho numa maca também branca, o cuidariam no hospital [ ou veterinário seria o ideal?]. Mas no primeiro plano, em zoom maior, o Coelho a olhava consciente, na casa toda apenas K desejaria que aquele Coelho sábio não virasse jantar. Ninguém ajudaria a cuidá-lo.           Ficaram os dois em silêncio, se olhando [filtro sépia]. "Vou te mostrar o castelo", decidiu a mulher. [ Escolhi o efeito aquarela para ilustrar o olhar de K. que era miope]. Passaram pelas duas grandes salas, os móveis antigos, os espelhos com moldura de contos de fadas, longos tapetes, a mesa da sala de jantar cheia de uvas, mas passaram tão rápido como quem dá um passo e logo chega ao outro lado da vida.
          Eis a cozinha em festa![ Modo automático sem flash] Muitos familiares falavam  alvoroçados e enfurnados, rodeando a mesa menor com um bolo. "Passe por aqui mais depressa", sussurrou K. nas orelhas brancas, temendo que alguém quisesse dele fazer uma sopa. Ninguém percebeu a passagem dos dois. A família em festa estava muito preocupada consigo mesma.          Finalmente, chegaram ao corredor estreito [ tom monocromático], quando o Coelho ofegante disse "Estou muito cansado. Não me sinto bem. Acho que andamos para caminhos do além.". K. o fitou aflita sem saber o que fazer. Quando quase sem perceber,  a metamorfose se fez. Como se houvesse uma mágica cartola, aquele Coelho Branco e sábio se converteu em uma fina serpente com dentes. Na posição para o bote, ameaçadora.          K. tremeu o corpo um pouco e fechou a porta na cara da cobra. Ofegante ainda fez peso na porta antiga para não abrir. Ainda aflita, tomou coragem e tirou a chave da fechadura, espiou pelo buraco: a serpente sem consciência, apenas com instinto de sobrevivência, a definhar no corredor. Ao seu lado, água e comida, mas para coelhos. A escamosa agora já enjoada deste alimento, morreu seca de frente para uma grade lateral.          A câmera tombou, desta história se cansou, em choque confessou a nós, leitores, que queria filmar um outro desfecho. Mas, depois, ergui minha lente, rebobinei o filme,  zoom em texturas e falas surreais. Confesso agora que daria o mesmo ponto final.  "O trágico também faz parte da vida e nos humaniza.", digo com minha voz metálica e pisco as pestanas da lente, a bateria quase no final.





mercredi 17 février 2016

Azulethes

Volitei ao teu lado,
rosto amigo antigo,
primeiro namorado,
meu poeta-abrigo.
No sonho, sozinho
navegava um barquinho
num imensolargo rio.
Invisível, te encarei,
ouvi teus pensamentos,
coração do bem,
memórias aquecidas,
Duas almas afins,
um amor de outra vida,
ímãs místicos da  poesia.
Teus cachos balançavam
como a proa da canoa
cada vez a mão da água
afundava mais um pouco
teu corpo 
Tuas velas acenderam
meu nome subitamente
entre sinos e submarinos 
como grandes crocodilos.
Mas no azulethes da noite, 
nossas palavras de luz
consertavam os  orvalhos
da máquina do mundo.
Obrigada, poeta anjo, 
por ser escrito em mim
assim feito velho sonho.



"I've heard that innocence
Has led us all astray
But don't let them make you and break you
The world is filled with their broken empty
dreams
Silence is their only virtue
Locked away inside their silent screams
But for now
Let us dance away
This starry night
Filled with the glow of fiery stars
And with the dawn
Our sun will rise
[...]
I'm transcending
The fall from the garden"
(Don't fade away - Dead can Dance)






mardi 16 février 2016

Todo carnaval tem seu fim

Cena 1

Bueiro preto
fantasiado
quase todo de grama
com chapéu bambo,
um passo,
bum!



Cena 2

Minha perna
Violento
Violou

O soco,
Abriu o corpo,
o afundou no esgoto:
tua gosma escura
sujou minha dor




Cena 3

Emergência
tua língua de asfalto e cactos
a rasgar minha boca

Fios  absorvíveis
de origem animal
a suturar as palavras não ditas
a cicatrizar a ferida
ainda coberta de gaze
vermelha