samedi 29 septembre 2018

Mar vermelho

O peixe impensado, fugidio, esquivo, de olhar esbugalhado que não quero encarar. Olho-o, enfim, atentamente, em meio à noite do mar. Ele, agora imóvel. Eu, em fragmentos vários, saltantes, espelhos em pedaços. O peixe iluminado visto pelo vidro lascado me escapa mais, é apenas um lastro. O choro é inútil no mar. E o peixe, e o peixe e o peixe volta à mente, o peixe entre meus olhos, escamas em minha pele, exalo a mar... mas um mar escuro, escuro, escuro e em febre. Mar-lava. Só existe meu peixe. Nado pouco, respiro pouco. É um estar em morte amar.  Invento um peixe precioso. E algo se aproxima, de súbito, do meu corpo, no fundo do mar. Giros, as escamas rondam. Penso em meu peixe. "É você?". E o mar se agita. Surge, então, uma cauda imensa. E me deixo atravessar. Ela rápida me afunda, afunda, afunda... rumo à região abissal. A ronda continua durante dias, incansável. Mas, de repente, meu cheiro de amor o enjoa, o bicho se torna feroz. Me lanha, fere, sangra. O mar se faz lento, lento, lento e pesado. Pelo escuro embaçado, penso, às vezes, ver meu peixe prateado, mas meus olhos logo aprendem a no escuro enxergar. E seu contorno estranho se refaz. Ao meu redor, um monstro do mar a tombar, a tombar, a tombar sob meu corpo de areia. Mar vermelho.


(27 de set.)

1 commentaire:

  1. Bela composição; um sonho intenso do inconsciente, em conflito consigo mesmo (?), cuja vitória é o reencontro consigo, após afogar-se no próprio sangramento, subsistência volátil do corpo de areia? "É um estar em morte amar".

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