mardi 30 juin 2015

Lilhinha

Inventei de brincar de ilusão, a primeira mágica aconteceu aqui, na esquina da rua do supermercado perto da minha casa, conhece? Uma ruela com poucas flores, um ponto de ônibus e alguns vendedores ambulantes.  Lá, há uma senhora bem velhinha com um coque de fios brancos que o vento tenta desmanchar a todo tempo. Posso confirmar isso, pois há alguns anos desço do meu ônibus naquela esquina e não sei por que enterneço aquela senhora de sonhos. Pois que ela, em sua barraquinha descascada de verde com doces e chicletes, fica lá à noite com sua saia longa preta e sapatilhas desfiadas. Em meu encanto de inventar dela ser uma avó perdida de outra vida, puxei conversa sobre o céu daquela noite e as estrelas cadentes, mentira, eu não falei nada, sou tão tímida que só consigo ficar ao longe perilampando com o olhar. Ninguém estranhou que eu estivesse há horas sentada no ponto de ônibus observando a tentativa do vento de tirar seus cabelos branquinhos do coque. Como não tive coragem de perguntar, inventei que essa senhora se chamava Lilhinha porque achei que combinava com seu amor pela costura, mas que também é mentira.

Do lado de fora do meu pensamento, a rua com brilhos de asfalto pouco se mexia, só entortava as beiradas quando chegava mais um ônibus, às vezes, parecia rua feita de papel. Quando isso acontecia, Lilhinha inclinava um pouco, mas só um pouco e pousava como passarinha em seu banquinho, já acostumada as sacudidelas que aquela ruela fazia. Lilhinha teve filhos, todos pássaros que se encolhiam dentro do seu coque que fazia de conta que era ninho. Lilhinha, Lilhinha, eu gostava de repetir seu nome por pensamento e quando isso acontecia, eu olhava de viés, só com as pupilas encostando nos cantinhos dos olhos para ver se ela via, mas ela não via, Lilhinha! Fiquei desenhando em minha imaginação como seria Lilhinha criança, seu brinquedo preferido, primeiro pesadelo, poça d'água, barco de papel, pique- esconde, escorrega ou se desde essa época já eram seus os doces e chicletes pra vender na rua. E nesse momento anoiteci um pouco, como quem entorna em si um pedaço do escuro. Ainda sentada no ponto de ônibus, percebi que também nessa hora a lua apagou um pouco, um farol deu defeito e um trovão falou um segredo na linguagem dos trovões que ainda não traduzimos. E fiquei pensando no segredo do trovão.
         Lilhinha estava sentada em seu banquinho, ao lado da bancada com doces e chicletes, alguns um pouco derretidos de espera. Lilhinha serenava, como orvalho que brilha sem motivo. Deve ser um sonho antigo que volta no pensamento, pensei, mas olhando bem, em cima do seu coque branco, havia uma nuvem bem leve e comprida sem palavra escrita, como Lilhinha pode ser tão leve? Pra onde vão suas angustias? Lilhinha podia contar uma história pra mim antes de dormir, pensei e a ruela entortou, sempre acontecia quando outro ônibus vinha, de quando em quando devagar lentamente. Parecia um cenário em câmara lenta, de cores fortes.
             Lilhinha tem um olhar de estrela-cadente quando risca um voo, mesmo sendo tão velhinha, como consegue manter o brilho? Percebi,então, que ao pensar isso, ao redor de Lilhinha cresceu um amarelo forte, um sol que foi aumentandoaumentando até alcançar meu rosto, era quentequente, achei que me queimaria, mas apenas aqueceu. Será que ela lia meus pensamentos? E numa linguagem sem palavra, Lilhinha me ensinou sobre a eternidade  de algumas estrelas cadentes, as verdadeiras, de dentro. Levantei calma e orvalhada, como se o Universo conversasse comigo pela presença de Lilhinha. Amadurecer seria a aprendizagem do olhar para além das beiras do seu próprio ser?, pensei. Lilhinha sorriu, como se confessasse que me ouvia e eu também sorri pra Lilhinha e segui caminhando pela rua vazia, milagrada de vida.



De Juliana pra Lilhinha

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