dimanche 28 juin 2015

Meu dragão do Caio

Abri os olhos, o sol ainda não estava, havia uma música baixinha tocando (dentro ou fora de mim?) e o dragão que não conhece o paraíso, do meu amigo Caio, estava aqui, com suas névoas misteriosas em torno do meu pescoço, ele respirava em cima de mim, não me assustei, ao contrário, sorri e fiquei observando mudamente suas escamas brilhantes. Como podem brilhar tanto? Seriam lágrimas de amor? E fiquei pensando sobre o amor que a presença dos dragões tanto nos desperta. A visita daquele dragão, de fato, me modificou, exatamente como meu amigo Caio tinha me explicado sobre dragões, mas reparei que a casa toda estava revirada, não havia tempo de me enfeitar, ora, ele me chegou na pior hora do dia, segundo eu mesma, eu mal abri os olhos, toda descamelada e descabelada, sim, descamelada pelo lado dos camelos que me faltam (a todos faltam dois ou três camelos, pelo menos) e descabelada por seus motivos óbvios, mas meu dragão, digo, o dragão do Caio, pareceu não ligar, ele olhou fixamente para meus olhos, castanhos de folha de outono, parecendo tentar encontrar algo ali, uma fenda, uma senha para meu amor, eu não me assustei, ao contrário, sorri e a música ao fundo aumentouaumentouaumentou, aquele dragão tocava música em mim.
          Meu corpo girou na cama, lembrei do sonho enquanto o dragão continuava com os olhos fixados dentro dos meus e a respiração em meu pescoço, eu e silencioso dragão tentando encontrar mistério um no outro,mas a verdade é que sou bem óbvia e repetida, o que numa fúria irritou o dragão, como Caio tinha me avisado antes, os dragões não perdoam feiúra, achei que também era esse o motivo da fúria, mas era uma fúria que mantinha os olhos em mim, fixados, só que os nossos olhos iam mudando de cor e quando isso acontecia, as estações do ano iam mudando dentro do meu quarto, onde estávamos. Só um gato sem rabo da rua que testemunhou o ocorrido, mas tranquilotranquilo, como um gato em férias que observa mais um dia cotidiano de visitas de dragão. E lembrei do sonho, olhando os olhos do dragão fixados e mudando de cor. Foi lá nosso primeiro encontro.
Mas não era isso que eu queria falar, você ainda me ouve? Pois nesse momento, dentro do sonho, os sinos ainda batiam com pouco vento e havia risadas daquelas que parecem guizos mágicos para gente guardar em pequenas caixinhas e escutar nos dias tristes, só que de repente, eu cansei daquilo tudo e fui andandoandandoandando num corredor largo, como um hall de um prédio, eu acho, e parei em outra festa, sem querer, congelei. Encontrei no meu sonho o dragão que passei o dia inteiro sonhando encontrar em cada canto.
Fixamos os olhos um no outro, eu e o dragão, como se  reconhecêssemos velhos amigos mesmo sem nunca termos nos visto, ímãs de unificação, seria uma parte perdida do meu ser? No pano de fundo da minha memória, umas pessoas olhavam a cena alheias à música que nos circulava, eu e meu dragão, quero dizer, o dragão do Caio, o que foi ele fazer em meu sonho? Me buscar?
             Ainda era um dragão embaçado como que pincelado por Monet, é sempre assim. Não queria que ele se tornasse nítido dentro de mim, mas abri os olhos e estava ele aqui, nítido como um dragão, olhando ainda fixamente pra mim. Subiu em cima do meu corpo com os pés amassando o lado esquerdo do meu peito, coração. Aquilo doeu horrores, mas ele acreditava que era massagem para elevação da minha consciência para o amor universal. Sim, meu dragão acreditava que veio me ensinar o amor maior que, segundo ele, é aquele que se permite ir embora, sem apegos, apenas doação ilimitada. E continuava a massagem sobre meu peito, com sua cauda atravessando minhas pernas sem tatuagens. Ficou procurando minhas tatuagens, confundiu meu brinco azul de roda dos ventos com uma,achei engraçado porque justamente eu tinha outra tatuagem azul, uma rosa azul que eu mesma ia desenhando a cada ano novo, a rosa azul desenhada da palavra esperança. Achei que ele não entenderia sobre minha rosa azul e simplesmente deixei pra lá. Reparei que tinha uma tatuagem em seu pescoço, deve ser essa a marca do amor com Caio, pensei. Mas, diferente do que meu amigo disse, meu dragão não cheirava a alecrim, cheirava a um pássaro, como compreender? Um dragão com cheiro de passarinho quando o voo nasce e confunde amor maior com abandono. Escrevi esse pensamento em meus olhos e, inesperadamente, ele voou me levando junto. Saímos pela janela no teto do meu quarto para descobrirmos o sol, juntos.
           O vento ainda gelado das seis da manhã, o vento ainda gelado do sonho ainda amolecido pelo despertar, o vento nos empurrava com suas mãos vermelhas para dentro do Sol, como fez com Ícaro. Meu dragão silencioso estava achando tudo muito engraçado, a vida para ele era sempre presente, era sempre cheia de brilhos invisíveis. Eu estava agarrada em seu corpo, medrosamedrosa, cada vez mais ia gostando do seu cheiro, de sentir suas escamas quentes, até descermos uma ladeira no ar com toda a velocidade da entrega, ah, o vento me rasgava toda, mas nada acontecia com meu dragão de escamas fortes. E me deixei atravessar. Assim, voamos alguns dias juntos, ele parecia nunca cansar nunca cansar nunca cansar, enquanto eu ia me desfazendo em sua existência de dragão. Até que, subitamente, ele me pousou no pôr do sol, sozinha, e voou sem olhar mais dentro dos meus olhos, não percebeu que estava derretida.Não entendi o que aconteceu, o que aconteceu? O que aconteceu, dragão? Você ainda pode me ouvir? Só sei que como quem enjoa assim do outro sem motivo nenhum, decidiu ir embora, cansou do passeio e da visita. E se foi. As minhas mãos ainda grudadas de escamas, minha cor nova de brilhos invisíveis, minha rosa azul exala cheiro de dragão, minhas pernas emboladas em sua cauda, meu coração cresce vermelhovermelho de urgência que apenas o amor pinta. Ele não reparou nada disso, não me olhou mais nos olhos, não entendi o que aconteceu, o que aconteceu? O que aconteceu, dragão? Ainda pode me ouvir? Só sei que como quem enjoa assim do outro sem motivo nenhum, decidiu ir embora. E foi.


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